29.5.15

viagem de cima para baixo para cima

descia a avenida pela primeira vez no dia em que começava, descia a avenida pela última vez no dia em que acabava, descia a avenida todos os dias entre esses dois. 

todos os dias, à noite, fizesse noite, ou noite fizesse. subia o parque, descia o parque, virava capas e lia badanas, associava autores e editoras, coleções e traduções. 

não sabe o que deve a esses anos em que poucos comprava e em muitos tocava. talvez deva tudo, talvez não deva nada. hoje, apeteceu-lhe regressar a esse tempo. 

com júbilo, e até antecipação sente, afinal, esse tempo regressar a ele.

28.5.15

aos deuses não desconhecidos

havia qualquer coisa de deus entre os homens, nele. a indefinível qualidade dos deuses que foram criados à imagem e semelhança dos homens, dos deuses mais humanos que os seus criadores. 

não lhe eram desconhecidos: frequentava-os, frequentavam-no. sabia-lhes das fraquezas e das glórias. imitou-os nestas, escolheu seletivamente aquelas. ainda hoje não sei se os copiou, ou se foram eles que o imitaram, os deuses. 

ontem faltou-me, de novo. falta-me com frequência. a morte encontrou-o há já demasiados anos, com a idade que tenho agora. 

imagino-o sentado com eles, a orientá-los, com as suas palavra exatas, precisas, divinas, no fundo. felizes os deuses por o terem por lá. por isso o levaram, tão cedo, também lhe sentiam a falta, por certo. 

como os entendo: afinal são humanos, os deuses.