24.11.18

sentir os sonhos

sonhava adormecer um dia junto dela para ela sentir os sonhos dele.

23.11.18

cosmografia

tinha a lua no sorriso, marte e vénus no olhar.

18.11.18

canto do conchego

chegada a noite, cerrava os olhos por minutos, o tempo suficiente para a deixar tomar o lugar que lhe pertencia, mesmo por detrás das pálpebras dele.

17.11.18

resvalar

e o beijo, sem que nada o detivesse, resvalou-lhe pelo ombro.

14.11.18

ardiloso coração

o amor sabe sempre tornar-se inevitável.

12.11.18

a escolha do sol

eram como o sol, que poderia ter sido só luz, mas escolheu ser fogo também.

11.11.18

canto do rogador

rogou à noite dela que o levasse a ele também.

o lado interior

a pele precisa ser também tocada pelo lado interior. só assim cintila.

6.11.18

canto do coração

mostrou-lhe os seus dias e os seus desencantos e os seus medos e as suas alegrias e as suas esperanças: este é o meu coração, e é teu, revelou-lhe, cristalino.

5.11.18

canto do escritor

com as palavras que lhe queria dizer e não podia, escreveu um livro.

3.11.18

canto dançante

o amor, como a chama, não conhece a quietude.

2.11.18

canto das palavras

perguntava-se se, ao conter assim as palavras, não estaria a erguer uma barragem contra o oceano, adiando apenas, quixotesco,  a torrente inevitável.

30.10.18

canto do perplexo

por vezes a ternura surgia-lhe com a amplidão de um arco-íris e ele reconhecia, deslumbrado, como se reconhece nos arcos-íris, que não sabia de onde vinha, mas sabia perfeitamente porque vinha.

29.10.18

canto da vigília

ela veio com passos ligeiros instalar-se na vigília dele, no minuto entre o silêncio e o sonho. e o minuto expandiu-se para a dimensão de uma noite: para não perdê-la, deixando-se levar pelo sono, sonhou-a acordado.

28.10.18

canto do oráculo

como se fosse um oráculo, conseguia prever quando se sentaria ela ao lado dele, com a precisão exata do momento, que palavras lhe diria ele, a ela, que palavras esperaria dela, ele, que palavras leriam juntos, que imagens, que sons, partilhariam, tudo isto ele previa. apenas não conseguia prever, e isso era tanto, e isso era tudo, quando é que os caminhos de ambos, divergentes, convergiriam.

26.10.18

canto do pintor

porque pinta, o pintor? porque quereria ele pintar o mundo para ela? ao olhar para as folhas polícromas do outono, teve um vislumbre da resposta. pinta para captar a eternidade num ponto. para ele, era a forma de lhe dizer: ainda que eu não esteja contigo, estás comigo agora, e este agora é para sempre.

25.10.18

canto da revelação

chegado à noite, conseguia dizer com precisão cada momento do dia em que não tinha pensado nela.

24.10.18

canto do alquimista

não sabe como é que ela entrou assim, tão subtil, urdindo tal filigrana, no pensamento dele. sabe, apenas, que em nenhum dos tomos dos alquimistas encontrou a fórmula para apartar o que foi unido com esta intensidade, que lhe parece, até a ele que é cético, magia.

23.10.18

canto da partilha

se partilhado, o universo expande-se a cada instante, constatou. se guardado, sem possibilidade de comunhão, reduz-se, até se tornar atómico, o último estágio antes do colapso. percebeu então porque é que a falta dela lhe parece de dimensão cósmica.

22.10.18

canto do dividido

metade dele, queria mostrar-lhe o mundo pelos olhos dele. a outra metade, queria ver o mundo pelos olhos dela. ele, aquele que restava por entre as duas metades, apenas queria vê-la.

21.10.18

canto ao anoitecer

mais uma volta completa da terra e não foi ainda movimento bastante para que a órbita dele e a órbita dela fossem tangentes, quanto mais secantes. o grande arquiteto do universo erra todos os cálculos da geometria dos sentimentos.

1.10.18

a corda a vibrar

equiparou o seu vazio ao de um arco após libertar a flecha.

22.9.18

terras d'aquém

a bússola com que viajava indicava sempre o norte magnético dele: ela.

16.4.18

o anverso de um sonho

descobriu que o que julgava ser a sua existência era o anverso de um sonho. alguém o sonhava. o verso do outro era o sonho dele.