24.1.16

sonho sem despertar

acordaram-no em silêncio, ainda a luz não se coava pela esparsa fresta na parede baixa, onde mal se conseguia por de pé. sentiu algemarem-lhe as mãos atrás das costas, o frio do metal cortante em torno dos pulsos. vendado, a realidade fez-se de ébano. duas mãos, uma em cada ombro, arrastaram-no pelos corredores longos até que o ar frio da madrugada lhe embateu, em cheio, na fronte. 

a parede áspera atrás de si perfurou-lhe as costas. a respiração pesada dos que o encostaram afastou-se. adveio-lhe a solidão extrema do condenado sem culpa formada. sabia o que se seguiria. a ordem de fogo veio rápida, ainda a ouviu, antes dos embates que o cravaram na parede, para logo a seguir o deixarem cair, como um títere de cordas cortadas. 

despertou com a dor aguda das feridas a serem suturadas, a frio. balas extraídas, sangue estancado, carne reparada, alma desfeita. de novo o levaram para a cela, onde a luz mal fluía, em fio breve, da parede. perdeu a conta aos dias que se seguiram.

acordaram-no em silêncio, algemaram-lhe as mãos, sentiu o frio do metal em torno dos pulsos, a solidão extrema do condenado sem culpa formada, a ordem de fogo rápida, a queda, de novo, como um títere cerceado. 

despertou com o corpo coberto de suor. lentamente tateou-se. com surpresa descobriu as cicatrizes ainda frescas, que doíam ao toque. abriu os olhos e descobriu que por uma frincha na parede se coava um fio de luz pálido. ouviu uma porta chiar, passos no escuro, dois braços. as algemas envolveram-lhe os pulsos logo a seguir. 

da solidão do condenado sem culpa formada percebeu que não havia redenção.