16.2.15

exatamente como a pele

chegam-me os cadernos de origens distantes, entregues à porta com aviso de receção. sem abrir ainda, já sei o que irei encontrar: são dois, um de capa como couro envelhecido, outro com capa como nuvem no segundo antes do sol. toco-lhes longitudinalmente, desnudo-lhes a superfície, descubro-lhes aromas.

o papel é da cor de pétalas de girassol que vi em certos campos num verão ido. pontos siderais marcam como matriz invisível a estrutura da página, a arquitetura vindoura dos meus pensamentos. 

aprende-se um caderno como se fora uma pele. sei-o, escrevendo palavras invisíveis com a ponta levíssima do dedo, antecipo o fluir das letras azuis, como estas que agora desenho nas páginas espraiadas no meu colo. 

quando se dá ao meu toque, sei que também o caderno me aprende. como a pele, exatamente como a pele.