recordou como os seus braços firmaram Pedro na cela, quando o pirralho, ainda incerto, começou a escorregar, sob o olhar atento do pai, que até há pouco ali ombreava com ele nesta empreitada.
recordou o jovem desajeitado a pegar na espada, demasiado pesada, e como o menino se fez homem e das duas mãos a espada passou para uma, e tantas vezes assim, lavada em sangue, como a que agora lhe mantinha em tensão o braço.
recordou o dia de chegada de Constança e logo ali o olhar possessivo de Pedro para os cabelos de ouro da galega.
recordou as indas e vindas dos irmãos da galega, os jantares em que Pedro os sentava à sua direita, como o Senhor fazia com os da sua confiança, a traição a nascer debaixo dos seus olhos qual cobra a embrionar no ovo.
recordou os dias de discussões com os outros, aqueles ao seu lado, as conversas delongadas, as perorações, os cenários.
recordou as noites em branco, os pesadelos sobre a revanche de Pedro: ele sabia-o bem, até podia antever, ele, o tutor de Pedro, sabia-o, e um frio, tão frio como a lâmina do punhal que trazia à cintura, lhe percorreu o peito.
tudo isto recordou Pêro Coelho, mas o dado estava lançado, como naquela página do livro que um dia ouviu o padre ler a Pedro: era seu destino salvar o Reino, mesmo que para isso tivesse que imortalizar a galega.
foi quando deixou cair a espada com a força de todas as memórias que transportava em si: e assim não ouviu o grito visceral da galega, que outros conheciam por Inês, quando a alma brotou do corpo dela, em jorros, já no percurso para a eternidade.