no quintal da avó apanho bichos-de-conta. não os há na casa grande, calhando não conseguem rolar subida a cima. saíssem de casa da avó, rebolavam até cairem para fora do mundo, que termina logo ali, no final da rua.
há uma porta da cozinha que dá para o quintal, e eu estou com uma mão cheia de bichos-de-conta, enrolados como os meus berlindes de vidro. mas sem estarem lascados, que o quintal não tem pedras brutas como as do recreio.
há uma porta da cozinha que dá para o quintal, e eu estou com uma mão cheia de bichos-de-conta, enrolados como os meus berlindes de vidro. mas sem estarem lascados, que o quintal não tem pedras brutas como as do recreio.
e a bisavó, envolta em preto, desde que o marido se foi, há tantas décadas, amofina-se, rala-se, fala das mulheres que emprega, daquilo que tem que lhes mandar fazer. é nonagenária, passaram os anos, ficou o uso. e nisto quero lanchar imperativa a bisavó à avó |
e a avó, envolta em castanho, fala comigo. há sempre coisas para me dizer quando estou no quintal. ela sabe que é a voz dela que impede que eu me estatele do muro onde estou, miniatura de funambulista. e nisto anda lanchar imperativa-me a avó |
deixo os bichos em cima do muro, a guardarem-me o lugar. ingratos, aproveitam o momento de liberdade e levam sumiço. já não estão fechados em si, os bichos-de-conta. na cozinha, a bisavó e a a avó falam par-a-par: as suas palavras cruzar-se-ão, porventura, um dia, no infinito.