sentia ainda unhadas dela a sangrar nos ombros, e os lábios e apertarem-se de desgosto, quando a vislumbrou, no cais, a faquear o ar com as duas mãos, pululando, em saltos longos, acima da turba frenética.
na nau, mil homens: trinqueiros, marinheiros, grumetes, condestável, bombardeiros, capelão, escrivão, pagens, meirinho, dispenseiros, cirurgiões, carpinteiros, calafates, tanoeiros, mestre, contra-mestre, guardião e até um capitão, atroavam como se o mundo se fosse finar. que ia, ia, eles é que não sabiam:
assi como a morte não a pinta senão quem morre, nem se pode ser pintada senão vendo quem esta morrendo, assi o trago que passão os que navegam de Portugal a índia, não o pode contar senão quem o passa nem o pode entender senão quem o ve passar
escrevia de cochim, em janeiro desse ano de 1557 o padre gonçalo da silveira.
era para ele a primeira viagem e sabia só o que tinha ouvido alumiar dos outros, daqueles que voltaram. medo, não tinha: respeito sim, pelas iras do mar, pelos males dos marinheiros. sentia já o primeiro deles, a saudade.
desse mal, não morreria,
de outros, só deus sabia.
deus o levava, ele o traria.
ou no mar o amortalharia.
rezou como o pai, lá distante, o apostolou à beira da oliveira consagrada à virgem, depregou os olhos do cais, cravou uma das suas unhas partidas na mão para se alembrar que estava vivo.
conteve o grito, afogou o peito em ar, e com a garganta atada em lais de guia, largou-se, deixou-se partir.