19.12.14

pintores do deserto

afonso é o meu nome. em tempos que não voltarão fui poeta, alcaide-mor, vedor da fazenda. apodreço agora nas masmorras imundas do mulei moluko. jaz meu filho no campo de batalha, morto a meu lado, braço com braço. dos meus outros dois filhos nenhumas notícias tenho, finados também, ou desaparecidos na eternidade. meus olhos não mais os verão. aqui, onde os dias escorrem iguais às noites, morro-me de coração trespassado pela dor.

chamava-me afonso de portugal. mas que portugal há agora, que resta do reino, depois de, bando de loucos comandados por um lunático, havermos desembarcado na costa do mouro e tingido de sangue o deserto? 

afonso sou agora, apenas, e em pouco nada serei. 

e só no sofrimento encontro alento. tudo o que me aconteceu, afinal é pouco ainda: que penas não serão brandas para um pai que os filhos arrasta para a perdição e lhes sobrevive?