quando escolher morrer, não será de afogação. já experimentei, não quero lá voltar. aquilo que dizem, de que vemos a vida a passar-nos pelos olhos no dezasseis por nove de uma série de canal de cabo, que vemos as anjas de asas prontas a darem-nos cómodo é um mito. belo mito.
o que vemos é água, água infinita, água que nos ardenta os olhos, água que nos fura pelos poros grandes, e pelos infinitesimais, água que nos incha os pulmões e salga o coração, água que nos faz desviver numa ansiação de ar. acabei salvo, puxado, esbofeteado, esborrachado. espirrei água pelo nariz e pelos ouvidos e pelos olhos. espirrei tanta água que a vida irrompeu por mim adentro.
mãe, ia morrendo hoje. na praia, mãe. já não me morro tão cedo, mãe.
não me vi nascer da primeira vez, mãe. mas parturiei-me da segunda vez, mãe.
eu nasci no mar.